O navegador dos ares: um brasileiro chamado Alberto Santos Dumont
Tema da próxima Exposição Temporária do Museu do Amanhã, que será inaugurada ainda este mês, Alberto Santos Dumont é popularmente conhecido como “o pai da aviação”, mas talvez ele não merecesse carregar tal fama. Mas por um motivo bastante nobre: ele foi muito mais do que isso. Ao menos oito inovações estão diretamente vinculadas ao brasileiro. Ele foi o primeiro a criar a navegação área – um conceito muito mais amplo, que consiste em conduzir uma aeronave, em vez de ser conduzido erraticamente por ela. O primeiro a voar com motor movido a explosão; o primeiro a ter um voo homologado; o inventor do motor de cilindros opostos (até hoje usados); o primeiro a fabricar um avião em série; o inventor do relógio de pulso; o precursor da patente livre; o primeiro a trazer ao Brasil um automóvel movido a petróleo.
Dono de uma personalidade forte, esse cientista de 1,55m de altura talvez fosse conhecido hoje como um grande “marqueteiro”. Para conquistar a opinião pública, lançou mão de estratégias incomuns à época. Em 1900, doou um prêmio de 100 mil francos aos pobres de Paris – montante suficiente para comprar um luxuoso castelo. Em 1903, também em Paris, estimulou que a americana-cubana Aída d’Acosta se tornasse a primeira mulher a pilotar um dirigível; no mesmo ano, desceu com seu balão número 9 no meio de uma corrida de cavalos. Também inovou ao levar um menino americano de dez anos a um passeio aéreo e depois promover o primeiro voo noturno.
– Em 1901 ele era o “Rei do Ar”, a figura mais conhecida do mundo. Um ano depois, Thomas Edison, nos Estados Unidos, lhe diz que as invenções dos balões não servem para nada. Santos Dumont, então, sente-se desafiado e faz uma série de extravagâncias: deixa uma aeronauta voar, leva um menino no balão, faz passeio noturno. Um inequívoco interesse de aparecer, de se destacar no “vale-tudo” da belle époque francesa. Depois disso, chega ao Brasil justamente no dia 7 de setembro de 1903. Nas fotografias, ele sempre aparecia impecavelmente vestido. Então, Santos Dumont era, sim, o que hoje chamamos de marqueteiro – diz Henrique Lins de Barros, um dos maiores estudiosos sobre Santos Dumont.
No entanto, as fantásticas realizações do inventor – somadas às brilhantes estratégias de divulgação – não foram capazes de lhe garantir um espaço adequado no ensino de Ciências nos colégios brasileiros. Seu legado, lamenta Henrique Lins de Barros, ainda é encarado de forma depreciativa, ou mesmo simplória, no país.
– Aqui ele virou apenas “o pai da aviação”, um cara que um dia voou de avião. É muito, mas muito além disso – destaca o pesquisador.
Desde cedo, a paixão pela mecânica
A história de Alberto Santos Dumont começa na França. Seus avós paternos, os franceses François Dumont e Euphraise Honoré – ela de uma secular família de joalheiros – desembarcaram no Brasil à procura de pedras preciosas. No Brasil, o casal teve três filhos, sendo que o segundo se chamava Henri, adaptado para Henrique. François faleceu cedo, e Henrique foi ajudado por seu padrinho, que lhe garantiu um curso na Escola de Artes e Ofícios de Paris (atual Faculdade de Engenharia), tendo se formado com apenas 21 anos de idade, na Europa.
Voltando o Brasil, passou a prestar serviços à Prefeitura de Ouro Preto, em Minas Gerais. Henrique se casou com Francisca Santos em 6 de setembro de 1856, na Freguesia de Nossa Senhora do Pilar, em Ouro Preto. Em 1872, assumiu a empreitada da construção do trecho da Estrada de Ferro Central do Brasil na subida da Serra da Mantiqueira, tendo instalado seu canteiro de obras na localidade de Cabangu, próximo à cidade de Palmira, hoje Santos Dumont. Foi no Sítio de Cabangu que, em 20 de julho de 1873, dia em que seu Henrique completava 41 anos, nasceu seu sexto filho, Alberto.
Desde pequeno, Alberto Santos Dumont (1873-1932) manifestou seu interesse por máquinas. Imaginativo, costumava se perguntar: “Que tipo de mecanismo pode fazer voar? Albertinho passou a infância na fazenda de seu pai, a 20 quilômetros de Ribeirão Preto, no Nordeste do Estado de São Paulo (atual município de Dumont). Para fazer o café circular e ampliar o desenvolvimento da região, foi construída uma estrada de ferro, a Companhia Mogiana, inaugurada em 1872. Pela rodovia, chegaram a Ribeirão Preto centenas de migrantes, principalmente italianos que substituíram a mão de obra escrava. A fazenda de Henrique Dumont progrediu muito, tornando-se a mais moderna da América do Sul, com 5 milhões de pés de café, 96 quilômetros de ferrovias, sete locomotivas e, ele, passou a ser conhecido como “O Rei do Café”.
Em suas divagações, Albertinho observava as nuvens suspensas no espaço, as aves deslizarem no ar e fazia experiências com balões nas festas juninas. Construía pipas exóticas e chegou a montar pequenas aeronaves movidas a elástico e hélice. As suas leituras prediletas incluíam “Vinte Mil Léguas Submarinas”, “Cinco Semanas Num Balão” e “Da Terra à Lua de Júlio Verne”. Entre 1883 a 85, Alberto estuda num dos melhores colégios do interior, em Campinas. Em 1890, seu pai,luxou a cabeça em um acidente de charrete, tornando-se hemiplégico. É obrigado a vender a fazenda. Enquanto tentava tratamento para sua enfermidade, Henrique levou Alberto pela primeira vez a Paris. Ali, o jovem viu um motor a petróleo funcionando, o que lhe despertou profundo interesse.
No fim, a depressão
Em 1892, Alberto, com 19 anos, é emancipado pelo pai, que lhe deu títulos suficientes para que se mantivesse pelo resto da vida e o orientou a ir a Paris desenvolver seu potencial, estudando matemática, física, eletricidade e mecânica. Alberto segue os conselhos do pai e, em 23 de março de 1898, subia aos céus parisienses em um balão, dirigido pelo mecânico Machuron. Era o início de uma carreira espetacular.
Em dez anos, Alberto desenvolveria mais de 20 balões e dirigíveis. Seria notícia em jornais ao redor do mundo, quase diariamente. Dono de uma escrita elaborada, Alberto Santos Dumont falava com desenvoltura francês, espanhol em inglês - além do português. Não se casou nem teve filhos. Seu pai, Henrique Dumont, faleceu no Rio de Janeiro, aos 60 anos de idade, em 1902; sua mãe, Francisca Santos, suicidou-se na cidade do Porto, em Portugal, aos 67 anos, no mesmo ano.
Alberto Santos Dumont morreu em 23 de julho de 1932, no banheiro do Grand Hôtel de La Plage, na cidade balneária de Guarujá (SP), um ano depois de voltar da França. A família já pressionava para que ele voltasse, por temer o agravamento de sua saúde – Alberto sofria de depressão profunda. Enforcou-se, aos 59 anos. Seis anos antes, havia enviado uma solicitação à Liga das Nações: que o avião fosse proibido em guerras. O apelo não deu certo. Mas, desde cedo, Alberto não se iludia: ainda em 1901, ele relatava em seus escritos, que o futuro da aeronáutica seria a guerra. Outra "invenção" que – esta infelizmente – também se concretizou.
Por Emanuel Alencar, editor de Conteúdo do Museu do Amanhã.
Com informações de http://portal.cabangu.com.br/ e supervisão do pesquisador Henrique Lins de Barros.